domingo, 2 de janeiro de 2011

O real significado do comunismo - por Luther Blisset

 Prelúdio
 
Escrevi um texto, assim meio espontâneo.

I.

O comunismo foi historicamente confundido com as sociedades de capitalismo de Estado do leste europeu e adjacências. Tais formações foram interpretadas tanto por liberais quanto por esquerdistas, como sendo o auge do marxismo e teriam a ver, segundo a mesma interpretação, com a realização prática da teoria marxista. O significado do comunismo acabou sendo absorvido por tais regimes, que se arrogavam a cada dia de sua existência como sendo a única e possível realidade do socialismo.

II.

O objetivo deste artigo não é fortalecer o cinismo dos capachos do capitalismo globalizado; trata-se, antes, de reverter esta confusão e de esclarecer de uma vez por todas a natureza e o conteúdo do comunismo.

III.

As formações do “socialismo real” nada tinham a ver com o comunismo. Na verdade, se aproximavam mais de um capitalismo de Estado do que de qualquer outra coisa. Primeiro, pelo fato que o comunismo pressupõe a não-existência do Estado, ao passo que tais sociedades eram centradas na figura do Estado. Segundo, porque o comunismo não é um capitalismo “melhorado”, onde os operários se apropriam da “mais-valia” que produzem para proveito próprio; o comunismo não é a socialização do capital com uma posterior generalização do status de trabalhador, mas a extinção do capital e do trabalho. 
 
V.

Devíamos nos perguntar, em primeiro lugar: o que define o capitalismo? Afinal de contas, o capitalismo não se define apenas pela oposição entre “proletariado” e “burguesia”, tampouco pela “propriedade privada dos meios de produção”. Na verdade, este se diferencia mais pelo fato de que os meios de produção não são acionados tendo em vista a satisfação de necessidades, mas o lucro em dinheiro, a valorização do capital.

O capital não é o instrumento de produção por si só, menos ainda o trabalho acumulado. Do contrário, poderíamos definir as formigas como sendo capitalistas. O capital é, antes de tudo, uma relação de produção. O que significa isso? Significa que por meio do processo de “metabolismo do homem com a natureza”, as pessoas estabelecem determinadas relações entre si ou formas de se relacionarem mutuamente por mediação das forças produtivas. Mas o capital não é um princípio restrito à “economia”; antes, trata-se de todo um modo de produção e de reprodução da sociedade, de uma relação social total, que diz respeito a todo o conjunto das relações sociais humanas. Assim, o capital é uma relação social que, como resultado, gera a submissão do trabalho vivo ao trabalho morto, do fazer ao feito, do fazer vivo ao fazer objetivado. Trata-se da subordinação do agir humano em geral a um fim estrangeiro, que é estranho ao ator: o fim em si mesmo da acumulação capitalista.

V.

Quando o capital domina no seio da atividade produtiva, surge uma outra esfera, aparentemente oposta, denominada “circulação”. É por onde circulam as mercadorias, pelo viés de onde se realiza o valor ou o mais-valor (“mais-valia”) disposto no ato produtivo. Sobretudo, é o espaço onde as relações sociais entre as pessoas tomam a aparência fetichista de uma relação social entre coisas (entre o meu dinheiro e a sua mercadoria e vice-versa). As relações entre as pessoas e suas atividades ficam condicionadas a ser um mero meio de realizar o “trabalho morto” representado nas mercadorias.  
 
VI.

Partindo de tal análise fundamentalmente crítica da natureza do capital, poderíamos definir o comunismo como sendo a supressão das relações mercantis e da produção de mercadorias, para que o controle dos homens sobre o sentido e o produto de suas atividades seja enfim realizado.

VII.

O comunismo não tem nada a ver com o estabelecimento da “igualdade” entre os indivíduos. Não faz parte de nossos sonhos um tal mundo onde todos comam da mesma comida, compartilhem das mesmas vestes e durmam em lares idênticos. Tais fantasias são a antítese do comunismo!

Menos ainda queremos uma sociedade onde todos ganhem o mesmo salário, sem distinção. O comunismo não é igualdade de salários! Isto seria equivalente à generalização da privação. Antes, o comunismo exige que os indivíduos possam exercer suas diferenças e desenvolver livremente suas potencialidades físicas e intelectuais. No capitalismo, ao contrário, todas as pessoas foram embutidas numa mesma fôrma, independente de seu conteúdo em particular. Em referência ao mercado de trabalho, são todas “mão de obra”, mercadoria força de trabalho; em referência ao Estado, todos contam como sujeitos-voto.

VIII.

As sociedades do leste europeu, bem como Cuba e outros países ditos “socialistas”, não passavam de sociedades de “mercado planificado”. De fato, de acordo com a abordagem de Kurz em “O Colapso da Modernização”, poder-se-ia dizer que os bolcheviques não suprimiram o capitalismo em Rússia, apenas o fizeram introduzir tardiamente. Uma “modernização retardatária” nos moldes do absolutismo.  

IX.
 
Por fim, seria importante ressaltar o caráter dialético da concepção de “comunismo” em Marx. Em “A Ideologia Alemã”, Marx diz em termos claros que:

“Para nós, o comunismo não é um estado que deva ser implantado, nem um ideal a que a realidade deva obedecer. Chamamos comunismo ao movimento real que suprime com o atual estado de coisas”;

Quer-se, desta forma, focar o comunismo não enquanto um “ideal” distante, mas como um elemento presente na própria realidade do capitalismo, como um elo vivo entre o presente e o futuro. O capitalismo não “é”, simplesmente; ele é e existe em constante tensão com aquilo que ele não é. As formas burguesas das relações sociais não estão pronta e devidamente acabadas. Elas não foram estabelecidas num passado longínquo, mas estão sendo estabelecidas, quebradas e re-estabelecidas a todo tempo. Como explica Holloway, as formas burguesas são formações, processos de formação das relações sociais. A forma-Estado, a forma-mercadoria, a forma-capital e assim por diante, são formas maleáveis. Felizmente, não existe um capitalismo “puro” e “total”. No próprio cotidiano das “pessoas comuns”, a crítica do valor se engendra enquanto expressão de uma desarmônica relação entre as necessidades humanas e a economia. À tendência de “ressolidarização” e de reconstituição da comunidade, denominamos comunismo.  

X.

O comunismo é o movimento que age no sentido de suprimir a sujeição do presente ao passado, do trabalho vivo ao trabalho morto, e nesse desenrolar de coisas, tende a extinguir a oposição de classes no seio da sociedade.

Uma vez suprimida a propriedade privada, a oposição entre o “público” e o “privado” e a cisão entre o interesse geral e o interesse particular desaparece. O Estado desmorona como expressão dessa cisão, não para que seja suplantado por uma “democracia direta”, pois a democracia pressupõe a cisão de interesses. Ademais, no comunismo não há uma esfera separada denominada “política” em oposição à uma esfera “econômica”. A vida social opera por meio de um conjunto de relações sociais que não se excluem mutuamente. Enfim, deslumbra-se a comunidade humana.

- FIM -

Um comentário:

  1. Sei que comentários aqui soam palavras ao vento. Mas como o vento que eu falo não chega até seu ouvido eu falo daqui. Bem?
    Já tinha visto há uns tempos esse texto, mas não me concentrei pra ler tudo. Terminei. Achei que você deve ter se identificado muito com ele; não sei se ele coincide de dizer o que você diz, ou se você coincidiu de falar dele. Mui Bueno. Achei bem fácil de acompanhar sem me sentir subestimado (o que importa é que não se sintam subestimados). Não sei muito o que falar, achei a análise comparada interessante; des/construindo conceitos. O texto é só desculpa, queria troca umas idéia cocê.
    Intê.

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A pseudo-comunicação é fácil demais.