terça-feira, 15 de setembro de 2009

Estórias pra Boi Acordar [1]



Havia uma curiosa civilização que vivia dentro de um prédio escuro, completamente fechado, que se mantinha parcamente iluminado por meio de um grande número de lâmpadas a óleo.

Ocorria nessa sociedade que alguns ali dentro, por razões de divino direito ou descendência, não era muito claro, controlavam como era feito e como se distribuía o óleo. Esses indivíduos acreditavam ser um direito seu cobrar vários impostos por esse indispensável produto e pelas ferramentas necessárias a seu uso e assim todos eram de algum forma dependentes deles.

Aconteceu um dia, porém, de coincidir um aumento nos impostos com um período da mais prolongada e sufocante escuridão. Uma enorme rebelião, a maior que essa sociedade havia presenciado, estourou - e com ela uma guerra civil intensa.

Os rebelados tinham em comum o fato de detestarem a escuridão e aqueles que tomavam proveito dela, mas divergiam quanto aos métodos e objetivos de sua revolta.

Delimitavam-se dentro deles dois campos principais: os moderados, que era majoritária e defendia uma distribuição justa e igualitária do óleo, alguns chegando até a proclamar a gratuidade de um serviço tão importante e necessário para todos no prédio.

E haviam também os radicais, ala minoritária mas decidida e consequente, que defendia que um prédio fechado não servia à habitação humana, havendo ali dentro grande risco de acidentes trágicos, fazendo até mal a saúde e gerando uma série de vícios destrutivos na espécie. Estes defendiam a demolição dos muros e a saída de todos daquele lugar, antes que ele desabasse em cima deles.

Enquanto a guerra civil recrudescia, a ala moderada ia perdendo influência, pois os moderados pouca disposição tinham para lidar com a violência da revolta da plebe. E enquanto a guerra se arrastava, mais e mais se juntavam para discutir as possibilidades da vida fora dos muros do prédio.

Mas algo inesperado ocorreu. Numa batalha particularmente violenta, abriu-se um buraco no teto, iluminando a área em questão com a luz do sol. Estava achada a solução! Esquecendo da guerra e de todo o resto, os cidadãos que viviam na escuridão se lançaram a abrir mais buracos na parede, buscando obter aquela luz abundante e gratuita. Para atender a tal demanda, apareceram aqueles especializados na construção de janelas, e que por mérito e habilidade na construção de janelas passaram a ser a nova elite dominante do local.

A alegria dos rebelados e até mesmo dos definitivamente derrotados defensores do óleo diante de tal prosperidade luminosa foi tanta, a festa tão duradoura e ruidosa, que só uns poucos perceberam a rápida e violenta liquidação dos radicais, outrora tão populares. E logo se reestabeleceu a normalidade...

L.M.
(Continua!)

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quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Peso do Mundo

vivendo sob montanhas de lixo
e cadáveres mal conservados
é impossível respirar!
muitos de nós, sentindo-se sufocados
empregam todo seu esforço
em se livrar do fardo
antes que seja tarde...

outros de nós, no entanto,
aqueles que sentam em cima do fardo,
embora igualmente asfixiados
exortam-nos à disciplina e a paciência:
"o ar que virá será tanto
e tão bom e tão agradável
que valerá a pena
Deus e o mundo recompensam
a persistência"

vários, por razões várias
concordam:
"respiraremos depois!"

estes
só não morrem
por que nunca realmente
estiveram vivos

aos que restam de nós,
aumenta o peso
e diminuem os braços
a carregá-lo

mesmo assim,
continuamos nos esforçando
para derrubar o fardo

afinal,
que opção temos?

respirar ou não
não é realmente uma escolha
e a morte,
não é muito diferente
da nossa vida

viver,
não é um projeto a longo prazo!
ou se está vivo,
ou morto
ou resistimos,
ou o peso nos esmaga,
ou é agora
ou nunca!

isso
nós, que sentimos o peso do mundo,
já compreendemos

Goiânia, 10 de Setembro de 2009.

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terça-feira, 8 de setembro de 2009

Os Dias da Comuna

Bertolt Brecht

Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram

Suas leis, para nos escravizarem.
As leis não mais serão respeitadas
Considerando que não queremos mais ser escravos.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.

Consideramos que ficaremos famintos
Se suportarmos que continuem nos roubando
Queremos deixar bem claro que são apenas vidraças
Que nos separam deste bom pão que nos falta.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
eNós decidimos, de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que existem grandes mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos
Porque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos, de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.

Considerando que está sobrando carvão
Enquanto nós gelamos de frio por falta de carvão
Nós decidimos que vamos tomá-lo
Considerando que ele nos aquecerá
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos, de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.

Tomaremos nós mesmos as fábricas
Considerando que sem os senhores, tudo será melhor para nós.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.

Considerando que o que o governo nos promete
Está muito longe de nos inspirar confiança
Nós decidimos tomar o poder
Para podermos levar uma vida melhor.

Considerando: vocês escutam os canhões
Outra linguagem não conseguem compreender
Deveremos então, sim, isso valerá a pena
Apontar os canhões contra os senhores!

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segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A miséria do Meio Estudantil

A MISÉRIA DO ESTUDANTE BRASILEIRO

Um estudo sobre a miséria reinante do meio estudantil, em seus aspectos econômicos, sociais, psicológicos, sexuais e especialmente INTELECTUAIS. E sobre alguns meios para saná-la.

Ninguém é mais irreversivelmente escravizado do que aqueles que falsamente acreditam ser livres.” - Johan Wolfgang von Goethe

I

O estudante no Brasil é um ser miserável. Ele não é somente afligido por uma miséria material latente, que é óbvia e visível a todos, mas também por uma miséria intelectual, criativa e de iniciativa generalizada que o assombra e aparentemente impede de ver e lidar com seus problemas.

Pois embora seja verdade que o estudante só partilhe da pobreza geral da sociedade, e não poderia ser de outro modo enquanto ele faz parte dela, vê-se que algo o diferencia dos demais miseráveis do capitalismo contemporâneo brasileiro, especialmente aquele que estuda nas escolas particulares do ensino médio e posteriormente nas variadas faculdades, algo que o faz digno da pena de uns, da condescendência de outros e do desprezo de todos.

O que os os diferencia é o conjunto de convicções que esses estudantes mantém sobre sua condição: eles se julgam numa posição privilegiada, melhores, mais cultos e no final das contas, destinados a funções de prestígio e comando, como produto direto do seu período de estudo formal. Eles acreditam que podem escapar ao destino dos demais assalariados e garantir seu quinhão da riqueza produzida, a parcela mais suculenta e sofisticada. Não...esses estudantes não partilharão do destino de um pedreiro ou mecânico de carros!

Pelo menos, é o que gostam de pensar. Mas enquanto alimentam essas ilusões, contribuem para a manutenção de relações sociais baseadas na opressão de classe e nas leis do mercado, fortificam a alienação e a mistificação que mantém a miséria geral participando delas. E o fazem conscientes da natureza do que estão fazendo: justamente por saberem o quanto o mercado é impiedoso é que estudam e por saberem que não há lugar para todos é que se matam a decorar seus verbetes e conceitinhos prontos, de modo a tentar garantir uma vaga na universidade, depois outra no mercado de trabalho. E eles o fazem entusiasticamente! De um modo muito parecido com as vacas de nossas pecuárias no caminho do abatedouro, mas com uma diferença: as vacas sentem o que lhes espera.

Isso porque, desse modo, eles ajudam a construir e perpetuar uma mundo que lhes prepara um futuro nada brilhante: um horizonte em que disputarão ninharias “intelectuais” entre si, em que a sobrevivência se sobrepõe a vida e em que a própria vida vira mercadoria. E o pior: nesse mundo, eles nem mesmo terão a consolação de verem suas pretensões ao privilégio confirmadas. Serão, no máximo, pequenos burocratas e funcionários intermediários, sempre em posições subalternas. Isso se conseguirem emprego, pois sabe-se que não há lugar para todos.

Pois a realidade, em desacordo com o senso comum, lhes impõe uma verdade brutal: o conhecimento formal que lhes é enfiado na cabeça e garganta abaixo não garante de forma alguma que seu detentor tenha algum poder real na sociedade capitalista, pois o que conta aqui é única e tão somente a quantidade de capital disponível em suas mãos. O estudante não tem poder algum: nem sobre os outros, nem mesmo sobre a própria vida.

As ilusões que ele consome para manter sua pretensão ao prestígio são justamente o empecilho principal para a percepção de sua real miséria e para qualquer possibilidade de obter um poder efetivo sobre o curso de seu destino. Elas são o script que o mantém desempenhando seu papel necessário a ordem das coisas. E elas existem justamente em função de sua falta de autonomia e do espetáculo em que ele está inserido.

Foi dito aqui que o estudante é desprezado por todos. Pois bem, a maioria despreza e trata com condescendência (o que é a mesma coisa) os estudantes por razões falseadas e construídas ao longo do tempo pela ideologia dominante. Despreza-o por uma suposta boemia e vadiagem, por uma suposta inconsequência, trata-o de forma condescendente quando se revolta, repetindo à o bordão da Revolta da Juventude, supostamente necessária a ordem natural da sociedade coisificada.

O objetivo dessa série de textos que se inicia aqui é, justamente, demonstrar as razões pelas quais o meio estudantil é de fato desprezível. Denunciar e desmascarar a mediocridade de sua condição e de suas tentavas de se fingir rebelde. Denunciar também, cada ilusão que alimentam, cada sonho pueril que lhes é inculcado e consequentemente o mundo fundamentalmente mentiroso que que está por trás disso tudo. Mostrar, enfim, o que o mundo dos vestibulares, das academias, dos funcionários eficientes e bem comportados, o mundo da mercadoria, tem a oferecer a esses estudantes.

Esperamos, desse modo, ajudar o leitor, caso este partilhe dessa lamentável condição, a fazer uma escolha consciente, num modo de vida que lhe pretende privar de escolhas: ou perpetuar a mentira de seu privilégio e um mundo baseado em mentiras ou reconhecer a verdade de sua miséria e lutar pela subversão total desse mundo. Aos que escolherem a mentira, esperamos fazer ao menos que sintam o peso do ridículo da sua situação, com o conhecimento de que sua farsa foi tornada pública.

Pressupomos, naturalmente, leitores que estejam preparados para conhecer e aprender o novo, de modo a levar o processo de pensamento, da crítica e de sua realização adiante. E, é claro, que estejam dispostos a escolher por eles mesmos. Daqueles que esperam soluções fáceis e prontas, que procuram uma nova teoria da moda a ser consumida de modo embasbacado e acrítico, uma escolha já feita ou induzida, não queremos nada mais do que o seutotal desprezo e a condenação; afinal de contas, apesar desse princípio diplomático ter sido desmoralizado pela ONU e pelos diplomatas presumidamente profissionais ao redor do mundo, prezamos pela reciprocidade de relações.

Le Miserablé, Brasil, 7 de setembro de 2009.

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