sábado, 13 de junho de 2009

Sentença de Morte em Vida

O que achei ser um retrato forte do sentimento do que é viver sob o julgo do sistema do capital. Meus cumprimentos ao Poeta pela sensibilidade e a rebeldia. Segue o poema:

Porque não me mato agora

Eu não me mato agora

porque já me mataram antes:

Mataram na infância

mataram entre escolas e igrejas

famílias e conceitos de moralidade.

Mataram-me um dia

forma deformada de uma psiquê revoltada

no medo, na incerteza, na inconstância

diante da verdade escondida

de uma sociedade ressequida


Não me mato agora

porque me mataram antes

no meu amor impedido

de proletario, de pobre

de classe, que não pode amar

porque a morte tem que matar

e a sociedade que é morte

fragmenta o tempo e aprisiona

no desespero

integre-se ou morra!

integre-se e morra!


Não me mato hoje

Porque já me mataram

ao me roubarem a luz

a saúde e a vida

mataram para governar

mataram para explorar

mataram porque tinham tudo, mas queriam mais

mataram pela obra de matar

mataram para que seguisse como gado

para como gado trabalhar


Não me mato agora

porque me mataram antes

num destino definido

nos domínios de um deus

sempre deles, nunca meu

me mataram como se mata um menino

que caminha e não dá conta

da morte que o ronda

lhe sopra ao ouvido

a vida não é nada

e quando a vida vira nada

porque impregnou-se de morte

vem o pulo, vem a ponte

mil comprimidos

overdose de cocaína

ergo o revolver à cabeça

Eis, então, a morte consumada!
Rodrigo Choinski

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sábado, 6 de junho de 2009

Se os Tubarões Fossem Homens


Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?

Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.

Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.

O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.

Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.

Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.

Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.

Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.

Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar.

Bertolt Brecht

Imagem retirada de do blog Tudo em Cima. O texto foi retirado do Blog do Josafá.

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