sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Tic Tac Tic Tac Tic Tuc Ta....

Estamos, portanto, o que é um pouco surpreendente, face a uma explicação não muito "materialista" da história. O papel do desenvolvimento das forças produtivas não é certamente negado; mas mais fundamental parece a relação dos indivíduos, dos grupos e da humanidade com o tempo e, portanto, com a morte. É, portanto um fundamento muito bem "existencialista", entre aspas, mas essa relação com o tempo e com a morte está ela própria sujeita à evolução histórica das forças produtivas. Ela não é uma constante antropológica. A palavra central a propósito do tempo nessas páginas de Debord é a palavra "irreversível".

No momento em que os primeiros indivíduos e grupos começaram a sair da ciclicidade pura, eles descobriram ter uma única vida para poder brincar face à morte e ao tempo irreversível. Mas a questão se, como, e, sobretudo, quem pode jogar esse jogo é uma questão histórica com um fundamento bem "material".

Enquanto que durante muito tempo não havia senão pequenas minorias que tinham acesso a essa verdadeira humanidade — em relação à qual a existência dos outros, destinada a ser engolida pela natureza cíclica, permanece quase animalesca — foi justamente a revolução na base da sociedade operada pelo capitalismo que generalizou essa possibilidade. É a tarefa da revolução social tornar efetiva essa possibilidade. 

O que Debord chama de seus desejos, ele não formula nos termos de uma sociedade "justa", sem exploração nem miséria, etc., mas enquanto acesso à vida histórica. A construção das situações, as paixões, a revolução da vida cotidiana são maneiras de chegar, na vida de todos os dias, à vida histórica: e isso quer dizer uma vida única, digna de ser lembrada um dia. E é exatamente o que o espetáculo nega e não permite mais nem mesmo a minorias.

Eu não vou aqui resumir as teorias de Arendt, mas somente lembrar a distinção fundamental que ela estabelece em Condição do homem moderno entre o trabalho, o fazer e a ação, o que ela reencontra na base da vida grega. A função da polis era precisamente tornar possível essa vida no quadro do tempo irreversível do qual fala Debord: "A polis devia multiplicar as ocasiões de adquirir a 'glória imortal', ou seja, multiplicar para cada um as chances de se distinguir, de fazer ver na palavra e na ação que ele estava em sua individualidade única. 

Uma das razões, senão a principal, do incrível florescimento de talento e gênio em Atenas, e também do rápido declínio, não muito menos surpreendente, da Cidade, é precisamente que do início ao fim ela teve por objetivo fazer do extraordinário um fenômeno ordinário da vida" (p. 256). Debord, ele também, atribui esse caráter à polis, e ele encara o retorno ampliado dessa condição como o resultado da luta de classes moderna: "Vamos rever, diz ele, uma Atenas ou uma Florença da qual ninguém será banido, estendida até as extremidades do mundo; e que, tendo derrotado todos os seus inimigos, poderá enfim se entregar com alegria às verdadeiras divisões e aos afrontamentos sem fim da vida histórica" (p. 1473).

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